Sócio de fundo diz que SPFC está no caminho certo para reduzir dívida
O Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) que o São Paulo montou para levantar R$ 240 milhões completou um ano neste mês de outubro. A medida é uma alternativa encontrada pela gestão Julio Casares, com apoio de especialistas no mercado financeiro, para acertar o caixa do clube diante das dívidas.
Em um relatório já divulgado pela Outfield, que, em parceria com a Galápagos, tem cuidado do FIDC do Tricolor, foi possível notar uma redução de R$ 56 milhões nas dívidas totais, sendo as com bancos o carro-chefe. O saldo negativo passou de R$ 968 milhões para R$ 912 milhões, e uma mudança de R$ 259,26 milhões para R$ 215,86 milhões em dívidas bancárias.
Em entrevista exclusiva ao ge após palestrar para empresários em Ribeirão Preto (SP), Pedro Oliveira, sócio-fundador da Outfield, disse ser possível o clube iniciar 2026 devendo menos que R$ 900 milhões.
– Essa reversão do passivo oneroso está acontecendo de forma mais substancial. A trajetória está em andamento. É difícil dizer um número exato, mas tenho confiança de que, quando o resultado de 2025 for reportado, a dívida estará abaixo de R$ 900 milhões, acredito que na casa de R$ 800 milhões, com um movimento importante nessa direção – afirmou.
A avaliação de Pedro é que, passado o primeiro ano do FIDC do São Paulo, o processo está dentro do esperado, embora também acredite que poderia estar numa situação um pouco mais avançada.
– É um processo complexo. Estamos falando de um clube com 20 milhões de torcedores, uma empresa que tem um faturamento de quase R$ 1 bilhão, com uma dívida de valor relevante. Não é um processo simples. É um processo que demanda muita gente, demanda muito braço, muito pulso. A conclusão é: a gente poderia estar num estágio mais avançado? Acho que sim. Mas estamos satisfeitos com o que estamos vendo nos últimos 12 meses em termo de evolução interna do clube, de o clube entender que está num momento de reestruturação.
A operação do FIDC também exige dos gestores do clube compromissos e regras de governança para que os negócios caminhem de forma sustentável em contrapartida ao aporte de R$ 240 milhões. Por exemplo:
- Limite para gasto/investimento no futebol: o menor valor entre 50% da receita bruta anual e R$ 350 milhões;
- Limite para salários da administração do clube: o menor valor entre 4% da receita bruta anual e R$ 25 milhões;
- Vedação para novas dívidas, empréstimos ou obrigações financeiras em valor superior a R$ 10 milhões no mesmo trimestre, sem aprovação do comitê de crédito do fundo;
- Vedação para cessão, desconto ou oneração de recebíveis (receitas futuras) de titularidade do clube, sem autorização do fundo;
- Obrigação de apresentar superávit (lucro) ao final de todos os exercícios a partir do ano terminado em 31 de dezembro de 2025.
– Por isso, no começo do ano o clube precisou fazer adequações no elenco, com dispensa de atletas, empréstimos, vendas, e dar uma enxugada no elenco. Além da questão do teto, há a necessidade de gerar um superávit para que o clube mostre que é capaz de gerar caixa, por isso a necessidade de fazer vendas de atletas que a gente entende que causa insatisfação no torcedor, mas estamos olhando para o longo prazo. A venda foi para gerar receita ou contribuir para o superávit. A gente está em um filme. Não dá para olhar a foto desses primeiros 12 meses. É um filme de quatro anos e meio.
– Entendo que é difícil ter paciência nesse período, ainda mais quando se tem rivais como Palmeiras e Flamengo que já passaram por esse processo há 12 anos, já com mais capacidade financeira e você tem que correr atrás, mas as coisas estão no caminho. Quando olharmos os resultados de 2025 lá em março de 2026 teremos sinais de melhoria da situação do clube – analisou Pedro Oliveira.
Gastos no Departamento de Futebol
Para Pedro Oliveira, o teto de R$ 350 milhões para o Departamento de Futebol é possível de ser cumprido, mas, caso seja furado em uma quantia pequena, é aceitável. O que não está em discussão é o clube ultrapassar os valores propostos em uma quantidade exacerbada.
– Ainda que tenhamos essa conversa em janeiro de 2026 e o clube tiver furado o teto, a nossa visão quanto gestores é de que a trajetória é correta, uma trajetória de correção de custos, tentativa de ser mais eficiente nos investimentos e finanças. É um processo. Acredito que é possível que o clube se adeque a esse número de R$ 350 milhões, mas caso não se adeque, passa por pouco. Ano passado o clube gastou R$ 470 milhões. Então, temos um delta de R$ 120 milhões, que já representa uma melhora.
– Tem que ser uma melhora relevante. Se chegar em dezembro e reportar que gastou R$ 450 milhões, ninguém vai ficar satisfeito com isso, porque não é uma melhora que faz sentido. Mas a gente vê muito trabalho, sobretudo do Márcio Carlomagno, que é o superintendente geral do clube, junto com a equipe dele, para caminhar nessa direção.
ge – Como foi a procura do São Paulo?
Pedro Oliveira: A gente começou o processo que começou na estruturação do FIDC em meados de 2023, antes de o São Paulo ganhar a Copa do Brasil. Naquele momento, a gestão Casares nos chamou para conversar porque já havia um diagnóstico de que, em 2024, uma questão importante de fluxo de caixa, um eventual furo de fluxo de caixa, com endividamento aumentando. Um endividamento que, no caso do São Paulo e de vários outros clubes, é um endividamento caro, de algo superior a 20% ao ano, de contrato de curta duração.
– A dor deles, quando nos procuraram em meados de 2023, era justamente conseguir estruturar algum projeto que ajudasse o clube a passar por esse processo mais duro. Nossa sugestão, depois de fazer o nosso diagnóstico, junto com o pessoal da Galapagos, que são nossos parceiros na operação criou uma ferramenta como o FIDC, dentro desse processo mais amplo de reestruturação financeira do clube, para que o clube tivesse uma ferramenta de financiamento mais eficiente.
– O que isso quer dizer? É um fundo do São Paulo e permite que o São Paulo antecipe diversos recebíveis, diferente de operações pontuais que o São Paulo vinha fazendo com bancos, em que ele bate no banco A, B ou C com contrato de patrocínio e fala: “Quero R$ 5 milhões e dou esse contrato de garantia para que daqui 12 meses a gente renegocie isso”. O FIDC é uma estrutura permanente em que você pode ir descontando novos recebíveis conforme eles vão sendo criados de acordo com uma regra pré-definida. Pelo fato de o fundo ter uma precificação pré-definida indexada ao CDI, isso permite que o clube tenha um planejamento financeiro mais assertivo na hora de fazer orçamento etc.
– Primeiro pensamos no ferramental, para que fosse mais eficiente do ponto de vista financeiro. É um FIDC com duração de quatro anos e meio para que o clube tenha tempo de passar por essa reestruturação financeira, e aí entra a parte mais aguda do negócio. Não é simples estar numa situação em que o clube tenha R$ 900 milhões de dívidas, com quase R$ 900 milhões de receita. Tem, sim, uma geração de caixa interessante, mas ainda não suficiente para remunerar e amortizar as dívidas. O objetivo foi trazer dinheiro novo, por meio do FIDC, para que o clube pudesse começar a amortizar o passivo oneroso, as dívidas mais caras. Fazendo isso, ele começa a reduzir o que ele gasta de despesa financeira, com juros. Ele vai se desalavancando, conseguindo fazer com que ele tenha mais dinheiro em caixa para reinvestir no futebol.
– A premissa toda foi que essa ferramenta, em quatro anos e meio para ter tempo nesse processo, baratear o custo de capital do São Paulo, alongar a duração dos contratos, saindo de contratos com duração média de um ano para um contrato com o fundo de duração de quatro anos e meio, e trazer, junto desse processo, as inovações de governanças para o âmbito do clube. É um ponto importante, que sempre foi debatido com a gestão e a gestão está trabalhando junto com a gente desde a implementação do fundo, são melhorias no modus operandi da gestão.
Qual o período de reuniões?
– A gente tem um comitê nosso, do fundo, em que a gente se reúne semanalmente. A gente olha a carteira do fundo, como está o trânsito de dinheiro, a entrada dos recebíveis, o valor das cotas, do fundo, trabalho mais operacional nosso. Com o São Paulo, a gente tem uma agenda mensal em que nós participamos junto com a Galápagos e o clube. E, sempre que a gente tem algum aporte, desembolso a ser feito, temos um comitê extraordinário.
– Por exemplo, caso o São Paulo levante a mão e fale que tem um recebível novo para antecipar por meio do fundo, a gente faz uma reunião extraordinária para entender o que é esse recebível, aprovar ou não aprovar, e seguir adiante. Mas, via de regra, é um encontro mensal e, no dia a dia, a gente está em contato contínuo com o Márcio Carlomagno.
O último relatório diz que 240 milhões foram captados e que até o momento R$ 135 milhões foram alocados no caixa do clube, com outros R$ 105 milhões que serão usados conforme o clube apresente novos recebíveis elegíveis à antecipação. Como isso funciona exatamente?
– Quando a operação foi aprovada, em outubro do ano passado, o trabalho que a gente fez foi um trabalho de estruturação física do fundo, estruturação jurídica, de registro nos órgãos competentes e a captação dos R$ 240 milhões junto dos investidores. O ponto é que, como a gente está falando desse filme que vai durar quatro anos e meio, esses R$ 240 milhões não são todos alocados, aportados pelos investidores porque o clube ainda não apresentou os recebíveis. O que o investidor assina com a gente é um compromisso de investimento conforme a gente chame capital, como diz o jargão do mercado financeiro, conforme a gente demande capital.
– Neste momento, o que aconteceu nos últimos 12 meses, o São Paulo apresentou recebíveis correspondentes a esses R$ 135 milhões e a gente foi chamando o capital comprometido dos investidores à medida que os recebíveis foram apresentados. A gente ainda tem esses R$ 105 milhões já captados, comprometidos e que, dentro do planejamento, conforme novos recebíveis são apresentados, a gente chama o dinheiro dos investidores e aloca no caixa do clube.
Qual o perfil de investidor no FIDC?
– Ele é para investidor qualificado. Na prática, é um investidor de mercado financeiro, institucional. A gente conseguiu trazer investidores institucionais muito habituados a fazer esse mesmo tipo de operação de FIDC, operações de crédito, em outros mercados, como no agro, imobiliário, saúde. Agora, fizeram também no futebol. São fundos super tradicionais que, pela primeira vez, viram no futebol uma oportunidade de fazer no futebol uma operação estruturada dessa natureza. Temos capital só de investidor institucional, não temos de pessoa física. Como já temos os R$ 240 milhões captados, neste momento não tem mais espaço para nenhum investidor, mas a prática é para pessoas físicas.
O relatório diz que o dinheiro foi usado no abatimento de dívidas e que R$ 39 milhões foram devolvidos aos investidores. Como funciona o pagamento para os investidores? Tem prazo?
– Tem um prazo preestabelecido. A gente tem períodos em que esse capital é devolvido ao investidor, já validado dentro da estrutura desde o momento que ela foi iniciada, considerando a taxa pré-estabelecida. Isso acontece periodicamente dentro do que desenhamos e o o São Paulo aprovou.
O FIDC vai levar o São Paulo para qual patamar? Palmeiras, Flamengo ou é muito cedo?
– A expectativa é de que o clube possa ser cada vez mais competitivo por meio da organização ou nesse processo de reestruturação financeira. O ponto todo é que hoje, e isso é um ponto positivo na história toda, é que no mercado do futebol é transacionado mais dinheiro. Diferente de quando Palmeiras e Flamengo fizeram o processo deles de recuperação financeira. Hoje há um volume de dinheiro transacionado muito maior que permite que o processo do São Paulo dure quatro anos e meio ou menos, diferentemente do Palmeiras, que durou seis anos, e do Flamengo, que durou cinco anos, desde que as coisas sejam bem executadas.
– A gente espera que, na hora que a gente sair do outro lado do processo, o clube esteja saneado do ponto de vista de endividamento, com a possibilidade de usar o caixa que ele já gera, para reinvestir na operação principal dele, que é o futebol. A gente enxerga, sim, um clube que vai ser mais competitivo em dois, três, quatro anos, do que ele é hoje. Pelo menos no papel, ter mais capacidade de fazer investimentos no futebol profissional e de base.
– Mas entra a beleza do futebol, que a gente sempre fala, que a matemática não é exata. Pode fazer tudo certo fora de campo, ter uma boa capacidade de investimento, e ainda assim não ter resultado, como o Palmeiras com a LDU (no jogo de ida da semi da Libertadores), com essa derrota bem inesperada.
E o fundo de Cotia?
– A gente não tem muito o que falar, porque foi a Galápagos que tratou direto com o São Paulo. O que posso dizer, na minha opinião, é de que foi uma forma criativa do clube continuar esse processo de reestruturação financeira, de injeção de nova governança, de inovação, de capitalização. Entendo toda a questão polêmica em torno do tema. Acho que o tema tem que ser melhor explicado, é super importante, mas vejo uma maneira criativa de o clube trabalhar os ativos que tem.
O FIDC vai além da gestão Casares, certo?
– O fundo tem duração de quatro anos e meio e, como foi aprovado em Conselho, é um fundo do São Paulo, não da Outfield, da Galápagos, ou do Júlio Casares. Ele continua pelos quatro anos e meio a menos que o São Paulo queira liquidar o fundo ou o São Paulo não cumpra com alguns requisitos que a gente previu e a gente entenda que vale a pena liquidar o fundo.
Como foi estipulado o tempo de quatro anos e meio?
– O tempo foi estabelecido com base nas projeções que a gente fez, entendendo que é um período suficiente para que o São Paulo reduza o endividamento e gere o caixa esperado.
Ao final do período, você acredita que a dívida estará 100% zerada?
– No futebol, é mais difícil falar de dívidas porque a gente fala de grandes números como se eles fossem habituais. Mas, em qualquer setor da economia, o endividamento pode ser saudável, se bem controlado. Se souber usar alavancagem com bom curso de capital para fazer o certo e não dar passo maior que a perna não tem problema nenhum. O que a gente enxerga é um clube saneado, estável e que pode voltar, sim, para um patamar de dívida que caiba no DRE (Demonstração do Resultado do Exercício) dele, que consiga ter uma dívida gerível, que não comprometa a saúde financeira.
Fonte: GE
